Agora eu sou você

Acordei com um puxão de orelha forte, a mão que puxou continuou apertando até que eu consegui gritar, o som que saiu da minha garganta era estranho, mas eu estava com tanto sono que deixei pra lá, não queria conversar com pai e mãe agora, só queria dormir, e, em breve ia fazer uma chamada de vídeo com o meu namorado, sorri ao pensar que o que me salvou na pandemia foi a tecnologia encurtando distância. Fechei de novo os olhos e apoiei a cabeça, e então outro puxão, dessa vez levantei a cabeça com raiva, pronta pra xingar quem estava fazendo aquilo, o som da minha garganta saiu estranho de novo, arranhado. Ouvi meu pai passando e reclamando que a Marrie, minha gatinha, estava na minha cama, eu não queria protestar, mas involuntariamente meu coração disparou.
Tentei levantar meu corpo porque aquela reação não era normal, mas senti uma mão me fazendo carinho no topo da cabeça e mais uma vez um puxãozinho de orelha, provavelmente era minha mãe, mas porque ela não estava falando nada?
Me espreguicei com os olhos fechados, jogando os braços pra cima, estava com a sensação de estar pesando muito menos, o que era estranho já que eu tinha comido muito naquela tarde antes do cochilo, então abri os olhos, meus braços estavam cobertos por pelo rajado. Será que todos os pelos da Marrie caíram em cima de mim? Segui o olhar pelos meus braços peludos até que não vi minhas mãos, o que vi foram patas, pequenas patinhas peludas, com unhas curvadas e pontudas saindo dela.
Me pus de pé num salto, mas não estava de pé, estava sob quatro patas fofinhas, olhei ao redor na minha cama, e vi meu corpo…

Será que eu estava morta?
Aterrorizada vi o corpo que me pertencia se mexer, senti as costas do corpinho onde eu estava eriçarem, o rosto do corpo humano se virou pra mim e sorriu, os braços me puxaram pra perto num abraço incômodo e ainda mais aterrador.

Presa nos braços daquele corpo, sem saber o que esperar eu ouvi, petrificada minha voz numa única frase:

-Agora você é a Marrie, e eu, humana, sou você.